Minhas Impressoes do Brasil I
Publicado em janeiro 16, 2014 por Denise Garcia
Cheguei no dia 10 de janeiro. Estava lendo a obra da Doris Lessing, premiada com um Nobel de Literatura “Emily and Alfred”. Li e nao consegui entender porque tamanha honraria. Ao terminar este livro pensei em começar um do Thomas Mann que havia trazido. Nao consegui. Tenho lido na praia e a praia carioca é pulsante. Nao cabe um Thomas Mann aqui. Entao procurei entre meus livros que estao ha anos neste apartamente e achei o maravilhoso “Raça e cor na literatura brasileira”, do ingles David Brookshaw.
Gostaria que o livro tivesse sido escrito por um brasileiro, mas nao foi pois poucos sao os autores brasileiros conscientes do racismo, absolutamente latente no pais, e menos ainda sao as pessoas de classe media e alta – que podem se dedicar a uma pesquisa tao extensa – que se interessariam por criticar a parca literatura nacional. Esse fenomeno, da ausencia de obras nessa linha, é indicativo tambem de um outro problema aqui: o ufanismo. A tendencia dos academicos locais é elogiar o Brasil ou de enxerga-lo como exotico, pois sao estrangeiros em seu proprio territorio, desconhecem como vivem os pobres e, quando se dispoe a descrever o que veem, podem chegar a um distanciamento que nem um ingles conseguiria. A habilidade do brasileiro de classe media para cima de distorcer a realidade que salta aos olhos é digna de uma psicopatia. Quando eu fiz o “sou feia mas to na moda”, muitos jornalistas me perguntavam em entrevistas: “porque voce acha que precisou uma gaucha falar sobre o tema? Porque nao um/uma carioca jamais tinha feito um filme sobre o funk?” Entao é por ai. O preconceito quanto aos pobres, os pretos e os favelados é de tal maneira gigante e incrustado na mentalidade e valores locais que os autores, os academicos, quando falam sobre o tema tendem a reproduzir tudo isso, mesmo quando de alguma forma procuram questionar. E este aspecto da manutençao dos estereotipos e preconceitos tambem esta no livro do ingles, que contrariando a moda local, pesquisou o vespeiro assustador do racismo historico e infelizmente bastante presente na literatura brasileira desde as primeiras prosaas.
Sobre o Rio:.
pela primeira vez vi mais negros que brancos na praia de Ipanema no final de semana. É perceptivel, no entanto, o furor que esta presença causa as minorias brancas. E pior: tambem aos negros que trabalham na praia. Um senhor, negro, que nos alugou um guarda-sol no primeiro dia, disse ao entregar o dito cujo: olha, tomem cuidado, ta cheio de trombadinhas. Prestem atençao aos seus pertences. Ok.
Nas bancas de jornais é comum ver alguns exemplares dos periodicos pendurados e disponiveis para quem se interessar em dar uma paradinha e ler as principais noticias do dia. As manchetes destes jornais em destaque invariavelmente mostram crimes cometidos por quem? Um jovem, do sexo masculino, negro. As fotos mostram sempre estes corpos em posiçao humilhante e o texto que as acompanha beira o sordido. Ontem uma capa que dizia assim: “ladrao manezinho fica entalado na janela” e a posiçao do jovem era horripilante, metade do corpo para fora de uma janela, metade dentro, cabeça e tronco inclinado para o chao, sem rosto, sem nome e muito menos sobrenome, só aquele corpo jovem negro, distorcido na tentativa de escapar de algum lugar.
Ainda bem que na contra-partida a Carta Capital da semana exibe em sua capa um dos maiores ladroes do Brasil: Daniel Dantas. Mas este nao é chamado de manezinho e nao aparece sem nome. Pelo contrario.
Os mais criativos: sem duvida a criatividade, como a imaginamos, esta na boca e nas atitudes dos negros segregados cidadaos cariocas. Fiquei prestando atençao nas frases que dizem quando estao vendendo seus produtos na praia, do mate a esfirra, amendoim, empada, etc. cada um tem a sua propria fala e uma maneira musical de dize-la. É surpreendente o numero de notas que alcançam com suas gargantas. Daria para fazer uma sinfonia e o resultado seria brilhante, pois inusitado. É de uma criatividade de arrepiar. Hoje estou levando meu bloquinho de anotaçoes a praia para anotar e descrever o que dizem e como dizem.
As novelas: um horror dos horrores. Minha mae assite e um dia veio aqui em casa e fiquei ouvindo. As mulheres nas novelas sao todas pilantras, so pensam em homem, os quais disputam umas com as outras, ou semi-virgens – estas claro, branquissimas. Os herois, como sempre sao brancos. O elenco é branco…
Nos taxis: alguns agora tem tv tambem. Pegamos um e tivemos que ouvir o Faustao por uma meia-hora. Este programa é o inverso da criatividade espontanea da praia e seus vendedores.
Nas ruas, aqui em Ipanema: pessoas brancas desfilando de cabeça empinada e milhares de senhores e senhoras negras indo e vindo do batente, no melhor estilo casa grande e senzala. Outro dia peguei um onibus com a minha mae. Um onibus que saia aqui da Zona Sul e ia ate a Central do Brasil, onde tem os trens para a Baixada Fluminense. Olhei para os passageiros sentados e contei 11 moças com as cabeças encostadas no vidro, dormindo, exaustas de tanto trabalhar para a casa grande. Todas obviamente negras.
O melhor artigo que li sobre o Brasil ate agora esta na Carta Maior “Daslu, Danuza e dá o fora”.
Texto publicado em quinta-feira, janeiro 16th, 2014 | 7:21 am na categoria Tosco Berlin.
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